Ainda quero lê-lo e contar tudinho para vocês. Mas enquanto isso não acontece, vamos curtir um trechinho dele?
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Trecho do livro "Força na Peruca", de Mirela Janotti
Editora Matrix
Segundo os otimistas, tudo de ruim que acontece na vida da gente tem um
lado bom. Se o casamento terminou, pode ser a oportunidade de conhecer
alguém melhor. Se você perdeu o emprego, quem sabe não vem uma proposta
com mais dinheiro?
Mas, e se essas duas coisas acontecerem ao mesmo tempo? E se, para
piorar, você descobrir que está com aquela doença? Aquela doença que
antigamente não era nem pronunciada. Como o grande vilão de Harry
Potter. Aquele que não deve ser nomeado.
Haja falta de sorte. Pois comigo foi assim.
Nem o mais otimista dos meus amigos achou um lado bom quando eu disse
que estava com câncer. Eles já tinham me consolado na minha separação.
Já tinham ouvido meus lamentos por ter perdido um ótimo emprego. Mas que
proveito eu poderia tirar de um câncer? Morrer, talvez. E depois tentar
a sorte em uma próxima reencarnação. Nascer em um corpo novo, sem
nenhum tumor. De preferência, na pele de alguém mais afortunado. Uma
Angelina Jolie, por exemplo. Como admiro aquela mulher. Linda, famosa,
bem-sucedida, livre de preconceitos e, ainda por cima, casada com um
deus grego.
Passei alguns dias após a notícia esperando pela morte. Rezava para
morrer dormindo e já acordar Angelina Jolie. Mas tudo o que eu via
quando abria os olhos era a minha empregada Rosângela segurando uma
bandeja com suco de beterraba. Minha mãe decidiu que quem tinha câncer
deveria tomar muito suco de beterraba. Eu fechava os olhos e pedia mais
meia hora, só que antes era obrigada a engolir o suco porque senão
'perdia a vitamina'.
Anoitecia, amanhecia e, em vez do Brad Pitt ao meu lado na cama, a mesma
Rosângela, com o mesmo suco de beterraba. Descobri então que eu não
morreria só com a força do pensamento. Dia após dia eu ficava mais
vitaminada, com uma feira inteira na hora das refeições: espinafre,
escarola, couve, caldo de músculo, fígado, sopa de lentilhas. Decidi
viver mais um pouco, nem que fosse só para voltar a comer um hambúrguer
com bacon e tomar uma cervejinha.
Passaram-se duas cirurgias, veio a quimioterapia, e por mais incrível que pareça, fui descobrindo coisas bacanas no câncer.
Minha grande amiga Mônica Tritone me disse: 'Se Deus te der uma folha de
papel, agradeça. Diga: nossa, que máximo, eu tenho uma folha de papel'.
Então, quando não tive mais meus seios, comprei outros novinhos e
concluí que os artificiais eram muito mais durinhos e sensuais do que os
originais de fábrica. Mostrava meus peitos novos para todo mundo. Para a
família, os médicos, as enfermeiras, os amigos, o guarda da rua, o
taxista.
Quando não tive mais meus cabelos, comprei uma peruca loira que me
deixava parecendo uma garota de programa e, talvez por isso mesmo, fazia
sucesso com o sexo oposto. Na verdade, fazia mais sucesso com os míopes
porque brilhava além do necessário e, dependendo da iluminação do
ambiente, eu ganhava uns ares de travesti. A peruca tinha outro
inconveniente: esquentava e tinha que estar sempre muito bem fixada,
quase esmagando o crânio, porque senão balançava e saía do lugar.
Não cheguei a usá-la mais do que umas três ou quatro vezes, e o que
acabou mesmo fazendo a minha cabeça foram os lenços. De seda, de malha,
estampados, lisos, curtos, compridos. Gastei mais dinheiro com lenços do
que se tivesse ido ao cabeleireiro para fazer tinturas ou chapinhas. Um
dia eu saía de muçulmana, no outro de cigana, pirata, portuguesa,
hippie-chic ou, então, vendedora de acarajé. Era o maior style.
Com o tempo, eu também aprendi a tirar proveito de algumas situações.
Furava a fila do cinema dizendo com cara de coitada ao atendente: 'Não
posso ficar muito tempo em pé por causa da quimioterapia'. Imediatamente
eu era acomodada no melhor lugar da sala, com direito a pipoca
delivery.
Ia para a balada e jogava a mesma conversa: 'Faço quimioterapia,
senhor'. E, logo que o hostess virava as costas, eu pedia ao garçom da
minha mesa vip : 'uma caipirinha de lima-da-pérsia, por favor.'
Também pude comprar um carro bacana ao preço de um popular por ficar
isenta dos impostos. Sim, alguns portadores de câncer não pagam IPI, nem
IPVA. Meus amigos morriam de inveja.
Por último, voltando à história da folha de papel, escrevi este livro
que, graças a você que comprou, ainda pode me render uns bons trocados.
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E ai? Gostaram?
Um bjo e ótima semana a todos.
E não se esqueçam, outubro é o mês de conscientização quanto a prevenção do Câncer de Mama.


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